sábado, 28 de fevereiro de 2009

Faça-se luz



Junto a um altar, mais ou menos no meio do nada, disse que tu e eu somos um. Ao que sei ninguém rasgaria a hipoteca que sob nós passava a pender.
Imberbes criaturas de boleia apanhavam o futuro e sem olharem no mesmo sentido, ainda hoje não olham, souberam olhar um para o outro. Labaredas de dúvidas, de ciúmes, de conflitos vários sanados em renites e espirros de recém casados e cálice de vida.
Rasgámos horizontes, voámos juntos mesmo quando agarravas já só os tornozelos. Potenciaste qualidades, minoraste carências. Dois fomos/somos um, mas a agulha da serenidade, do bom senso, aquela que declina apontando sempre o bem ninguém a pode tocar e é/foi só tua. Seria crime cometido por néscia avareza pô-la em causa e dos broncos não deixo noticia.
A luz nasce onde brota a vida, não o dinheiro e a cupidez.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Respirar


…vem sem medo, por mais forte que sejas, chego para ti. Não vou entrar em confronto, vou bailar contigo. Todos os teus movimentos agrestes não conseguem ser uma agressão, transformo-os num movimento gracioso, em pura arte. O maior combate ficará como a coreografia duma dança. E rirei, rirei sempre da tua fúria.

Inspira e expira, uma e outra vez.

Não saberei reproduzir de cor, mas se não foram estas foram outras semelhantes, as palavras ditas por um harmónico residente do lado de lá do espelho, para outro que depressa se afastou. O que ficou parece ser perito em artes marciais e instruído em filosofia Zen. Magro e transparente, com uma pêra incaracterística, que mais se adivinha que se vê, feições mal definidas por sombreadas, é uma personalidade surpreendente. Diz teimosamente para eu respirar e quando questionado responde que apenas aguentarei três minutos sem oxigénio. Interrogo se haverá ali alguma antevisão reservada, solta uma risada e diz-me para beber, sobretudo água pois se não beber ao fim de três dias riscam-me do mapa, e se não comer ao fim de três semanas dou o triste pio. Sustenta uma série de ideias no mínimo bizarras, mesmo com pouca ética, como quando afirma que quem mata, não faz mal nem bem, diz ser esse o seu caminho, e quanto a caminhos este exemplar tem muito que se lhe diga...
Surpreende-me quando pergunta se conheço a alegoria do semáforo e sem esperar que responda vai explicando: vês o vermelho e páras não comas hemoglobina, vês o verde avanças e pasta, porque reconheces a clorofila.
A cadência da conversa é irregular. Não me deixa dizer que não pasto, que me alimento de diversos produtos Ora mais devagar ora mais depressa nunca emudece e dá poucas deixas.
Já meio tarde, peço-lhe um vaticínio, ele assentiu, e disse-me que o faria sobre uma coisa que todos gostam. Pensei que fosse sobre algum clube de futebol, não foi, mas fez com que me risse na mesma. Disse que esta casa há-de ser um Dojo, uma espécie de templo Tao. Se sei o que é o Tao nada mais longe da verdade possível... Imaginei a minha mulher e os meus filhos monges de Shaolin, de manto amarelo e cabeça careca…
Uma gargalhada sonora mereceu semelhante evocação, pois é difícil mesmo com muito boa vontade imaginá-los em semelhantes preparos.
Desapareceu deixando atrás de si uma espécie de canção cuja letra deve ter pedido emprestada a um poeta cubano: há quem morra chorando com dez dias no leito/ há quem morra cantando com dez tiros no peito.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Terça feira de Carnaval


Terça-feira de Carnaval, subo as escadas da minha outra casa, a casa de minhas tias. Há luz no hall e o canapé desmesurado e iluminado pelo sol sobressai à direita. Nunca tinha dado por ele e ei-lo a causar impacte agora que coberto de luz. Um velhinho, pessoa muito ligada à família e meu homónimo inicia, com nítido sacrifício, a subida. Ficando a dever qualquer coisa à educação desato a correr, passo por entre todas, e entro na cozinha entregando-me nas mãos das que tinham tudo que eu gostava e me animavam. O velhinho e eu éramos do género diferente de toda aquela gente. Aquilo era um verdadeiro gineceu. Pela primeira vez tive um assomo de consciência e acto continuo senti saudades de mim, melhor, talvez começasse a ter saudades de quando ainda não tinha nascido.
Aquele dia, foi um dia de conhecimento, quase de revelação, a diferença entre o bem e o mal, nasci para o mundo não tinha ainda oito anos. Percebi que o Carnaval tinha algo de pecaminoso, mesmo de proibido. Comecei por ser uma criança alegre e tornei-me num homem contente de sorriso quase sempre triste. Tive a certeza que por entre a chuva suave e serena havia punhais que caíam a pique
Ainda agora sou uma espécie de ferro, bem volumoso, que flutua, coisa pesada que bóia na fluidez.
Terça-feira de Carnaval, evoco outros tempos doutra gente. Nem na altura, nem hoje sei o caminho. Mas creio saber a missão.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

O que podes fazer pela tua terra


O bairrismo bem entendido é um valor universal. Melhora todos e faz com que o mundo se torne um local mais agradável. Quanto mais localizado for o interesse, mais geral e de maior importância se converte. Parece um paradoxo mas não é. Até parece que o quanto menor maior; que ninguém se assuste pois a realidade é assim mesmo e no decorrer da vida, esta vai-se encarregando do mostrar. Detesto a minha terra e amo o meu País. Nem sequer é uma frase bonita, nem uma figura de estilo, é uma intrujice sem chanfro, mesmo literário. Trata-se duma aldrabice pura e simples.
Todos já chegámos a uma terra, pequena ou grande, e sentimo-la como nossa. Pode ter acontecido numa aldeia perdida no meio do nada ou numa grande metrópole. O sentido de pertença, a empatia com as pessoas, a identificação com as coisas, sei lá, tudo o que permite que se diga eu gosto muito da tua terra, ou sinto-me em minha casa em Toledo. J'aime Paris ou j’aime la France et les joueurs d'acordeon. São frases verdadeiras ditas do coração.
E o contrário, adoro a minha terra mas ela detesta-me. Após Kennedy não perguntemos o que a minha terra pode fazer por mim mas o que eu posso fazer por ela.
Há um fenómeno engraçado nesta matéria. Quanto mais fiel e melhor filho se é da Guarda mais ela o desconhece. Podia de memória encher uma página toda inteira com nomes de pessoas com carácter excepcional que a minha terra olimpicamente ignora. Terá isto a ver com o facto de arranjarmos quase sempre dirigentes que nos foram impostos ou importámos, filhos adoptivos, cucos, aves de arribação, aves palrantes, semelhante fauna ou outros que o valham? Não é não senhor. Além de ninguém ser profeta na sua terra é necessário entender que nenhum filho faz nada de mais à sua mãe, e nenhum bom filho é tão recomendado como o seu pior irmão. As mães protegem mais os frágeis e acham que os grandes são grandes, não precisam nem de aplauso nem de publicidade.
Assim eu acreditasse…
Sabem o que é ser-se estrume para umas quantas flores florirem

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Há máscaras e máscaras


Pôr uma máscara, fazer-se passar por algo ou outrem, adquirir outra identidade ou aproximar-se de determinada forma de poder é um ritual comum a várias culturas. Faz parte de cultos frequentes em religiões, seitas, sociedades secretas, e até em nossas casas, quando afivelamos a máscara do doente ou do forte. Se o doente coloca a máscara do são é mais que meio caminho andado para a cura. Se o são resolve por a do doente arranjou senha para a cama do hospital.
A máscara tem um poder oculto, sim. Experimentem, se querem ver o que é a autosugestão consciente.
Em todas as sociedades o uso da máscara é sempre um acto meio misterioso, meio proibido, meio concedido. Há sempre a violação do cânone, do preceito, da norma. Há a anomalia consentida como escape à regularidade.
Todas as regras do esoterismo tendem sempre para o maniqueísmo. Quem a põe é sempre o bom, mesmo que faça o papel de mau, porque é-se outro, perde-se a personalidade e ganha-se um poder meio estranho, pois o dano que se faz é doce e sabe-se que não é feito por mal. Não é para ferir assim tanto e aproveita-se para esconjurar antecipadamente os resultados face à dor infligida à vítima e ao escárnio da populaça. Depois de séculos usando adereços como símbolos do poder, da sabedoria e da força, desde as mascarilhas douradas aos cornos e às serpentes, atinge-se a pureza radical. Corpos jovens nus ondeando, apenas maquilhados e oleados onde é preciso e sugestivo, torneados, com cada músculo digno dum tratado de anatomia. É o despojamento de tudo, a forma sublime e simples de dizer aquilo que o homem é, depois de descascado da norma. Um macaco sem rabo, cheio de pretensões e estranha dignidade

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Fotografia


Gosto de fotografia independentemente de ser ou não uma arte menor. Faço-a porque gosto e vale mais um gosto que 500 mil reis na algibeira. Passei anos a fotografar pessoas quer em dias de festa quer no seu dia a dia. Ouvi silêncios e elogios vários, até fechar os ouvidos quando me apelidaram de coração ruim porque as minhas fotos mostravam deliberadamente as rugas na cara das senhoras e não as edito em Photoshop. Julgo-me, ou melhor, sinto-me novo, leve, subtil pairando acima da realidade e as minhas fotos mostram-me como sou: gordo, barrigudo, pesadão, velho e bem agarrado à terra. Poucas vezes, muito poucas vezes, quis cristalizar o momento. Na generalidade das vezes quis apanhar a alma das coisas ou das pessoas, objectivo nem sempre conseguido, mas sempre perseguido. Há pessoas que basta olhar para elas e vemos o ângulo facial certo, o olhar exacto, que dialogam com a objectiva. Há as coisas que nos transmitem beleza e luminosidade natural. Depois há o universo das coisas triviais e amorfas. aí reside a arte de quem manuseia a máquina, desde o saber segurar o aparelho com segurança, escolher um fundo neutro e com poucos elementos, procurar o close-up, ter atenção à luz e saber aplicar a regra dos terços. Se alguém pensar assim, garanto não conseguir nenhuma boa fotografia, só em estúdio, com sorte e com coisas sem vida.
Fotografar é um pouco mais que isto.

Simetrias


O Gatsby é um cão, tão humano como todos os cães. Sofre de todos os males e doenças próprias dos homens, sobretudo as psicológicas. Se saio, ocupa o meu lugar na sala, se os sofás estiverem todos ocupados recusa o lugar que lhe indicam e fareja o recém-chegado e nos dias de festa, se for deixado sozinho, arranja forma de mostrar o seu desagrado ficando de trombil até que lhe fale e faça uma festa, o que de inicio recusa. Tem gloriosos antepassados que participaram em caçadas com imperadores, reis, arquiduques, duques e outros dispendiosos inúteis, embora o galgo fosse também o animal de companhia da burguesia. Tem fantasmas que respeita e estima muito, com os quais estabelece diálogo ainda que indecifrável, sempre que entra num estado de semi consciência, pré adormecimento ou lá o que é, experimenta espasmos de ritmos idênticos ao batimento da mesa de pé de galo. As patitas desenham um traço ponto que ainda não aprendi a decifrar, mas sei a limitação ser minha. Quem conhece a história da máquina alemã Enigma sabe de que falo.
Este “Canis Lúpus”. é sempre bom dar uns ares que sabemos, fiquemo-nos pelos ares, é um Whippet. É filho de campeões e daí lhe vem o pedigree canino, mas quem sabe um pouco mais, garante que ele participa do grande caudal de sabedoria secreta que escorre pelos espelhos e outros pontos de simetria. Concebamos um ovo vulgar, facetemo-lo em miríades de faces, imaginemo-lo incolor e transparente, e ei-lo, o acompanhante daquele não existente que ontem me contou detalhes do namoro de D. João I antes do ser. Coisa engraçada, conforme escrevo e faço referência àquele não vivente, põe-me as patitas no braço esquerdo e parece querer falar. Mas agora, fecho-me a outras sensibilidades, mesmo às caninas. Fica aqui apenas a referência das relações que ontem me foram confiadas entre Álvaro Pais e João das Regras. Álvaro Pais burguês abastado, foi chanceler-mor de D. Pedro I e de D. Fernando I, foi um homem superiormente inteligente, padrasto de João das Regras que além de enteado foi seu brilhante aluno, teve artes de convencer D. João a mandar João Fernandes Andeiro, o Conde Andeiro a encontrar-se com o Senhor mais cedo que era suposto.
Já na Europa não havia feudalismo e Portugal era uma sociedade feudal.
O sinal mais evidente dos novos tempos que aí vinham é dado por aquele ex-chanceler: a crescente importância da emergente burguesia.
Quando D João teve dúvidas e lhe disse que não saberia ser rei, respondeu-lhe: senhor basta dardes o que não é vosso, prometerdes o que não tendes e perdoardes a quem jamais vos ofendeu. Só por si, isto é um verdadeiro tratado politico.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Duas da manhã



Duas da manhã, a suave respiração da minha mulher, a paz e quietude do momento, uma casa grande e um cão. Lá fora um frio fininho num silêncio sagrado. É uma boa altura para ir forçar uma visita aos restantes habitantes que sem nos atrapalharem, sem comerem e sem beberem coabitam no mesmo espaço. Fazem-no com toda a discrição, se não fosse o Gatsby dar sinais da sua presença e a minha imaginação querer vê-los, jamais suspeitaria da sua existência. Verdade verdadinha que são acima de tudo transparentes, discretos, e bons conversadores. Exasperam-se se questionados sobre o futuro e animam-se em frequentes dissertações sobre o passado. Às vezes, poucas vezes, fico a ouvir um ou outro.
Com o auxilio duma vela e de pouco mais, consegui que alguém aparecesse a meu pedido. Esta noite veio só um, bastante falador e brincalhão, mas sempre com esgares de dor. Nada por aqui sucedeu que não me digam, desde o princípio da velha Ward do reino Suevo Alano da Vetónia até ao dia anterior ao meu nascimento. Critério bem estranho, mas enfim, é a norma deles, dos mortos, termo que detestam.
Por aqui, onde agora habita esta fauna e a minha pequena tribo, foi lugar de muita coisa, nomeadamente do mercado dos porcos. É verdade, esta parte da cidade conhecida por Bonfim foi mercado de suínos no tempo dos Romanos. A cidade, em tempos do El Andaluz, ía até mais abaixo, ía até ao lugar dos cavalos, Alfarazes. Depois da reconquista minguou, amuralharam-na e ficou restrita ao cocuruto do monte. Aquele com quem hoje estive, gosta de meter petas como a de me querer convencer que Cristóvão Colombo dormiu no Mileu com a abadessa do convento de Santa Clara. Contra-argumentei, tudo tinha a ver com o facto de na altura, o que se relacionasse com a arte de marear e as descobertas ser segredo de Estado. Cristóvão Colombo não era nome de baptismo, foi o nome adoptado por um marinheiro português, que só por milagre andaria por esta monstra serrania. Casou em Porto Santo com a filha de Bartolomeu Perestrelo cujo assento é conhecido. Quanto à sua nacionalidade seria tão genovês quanto eu, pois os reconhecidos como legatários foram todos portugueses, e a última decisão dum tribunal em 1609, cento e três anos após a sua morte em Valladolid, foi nomear D. Nuno de Portugal seu herdeiro, este por sua vez também descendente de D. Nuno Álvares Pereira.
Este prega petas faz fintas, mas às vezes acerta, como hoje, que contou detalhes, alguns que eu desconhecia, do namoro, de proibido pelo pai, a estimulado pela mãe, entre D. João, então Mestre de Aviz, e Inês Pereira, onde hoje é o Marfim Bar, mesmo junto ao Paço do Biu e não à beira da fonte como se diz. Esta beleza era filha dum sapateiro judeu Pêro Esteves, que passou à história como Barbadão pois nunca mais fez a barba após o nascimento do neto e que D. João protegeu tanto que é a raiz da Casa de Bragança. Foi D. Afonso, produto deste amor sem casamento, que veio a contrair matrimónio com D. Beatriz filha de D. Nuno Alvares Pereira. Agraciado com o título de conde de Barcelos e mais tarde 1º. Duque de Bragança, foi D. Afonso quem mandou construir o Palácio dos Braganças frente ao castelo de Guimarães.
Mas a história do namoro proibido tem momentos hilariantes, como o da ocasião em que D. João tinha encontro aprazado com a sua menina no coro da igreja de S. Vicente. Quando subiu as escadas julgou ver a sua Inês, nome também da amada de seu augusto pai mas não da sua mãe Teresa, ajoelhada, quietinha à sua espera, até lhe parecendo que se punha a jeito. De facto era um frade já bem compostinho por vinhos de vinhas com muitas castas e de regresso de casa pouco castas, que descansava. D. João furtivamente aproximou-se e querendo fazer uma festa à sua querida trouxe o frade à consciência, que ao sentir o afago, mais acordou, e já que o carinho era demasiado intimo, deu um salto meio esquisito berrando a plenos pulmões contra semelhante desonra, que a mão era de homem. D. João vendo aquele espantalho de pernas e braços abertos gritando e sentindo o bafo quente assustou-se, deu uns passos atrás e truz, foi de calhostras escadas abaixo.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Os cabos são sempre os culpados




Ouvi por duas vezes, quase de seguida. a mesma, se é que é a mesma, expressão, em duas línguas que me deixaram a matutar. Foi em dois filmes, num um espanhol após uma refrega com magrebinos perguntava-se: porque estes tios no hablan cristiano, e noutro um americano de fauces dignas do homem de Neandertal sem compreender o que lhe era dito por um hispânico de nome Mendonza, (que ironia), dizia: why don’t you speak american like everybody.
Era a língua do grupo maioritário tomada como genérica, embora com o nome emprestado, ou talvez não, mas de certeza com o nome com que o falante mais se identificava. Em qualquer caso a língua era uma Potência. Algo de muito complicado dizer ao espanhol ou ao americano que um falava castelhano e ao outro inglês, e em ambos os casos explicar que eram muitas mais as pessoas que se expressavam noutras línguas, que não a deles. Sofriam do síndrome Imperial.
Tem que se fazer parte dos mais fortes, nem que seja remotamente. Tem que se fazer parte dum grupo, duma família, dum clã, duma tribo, dum partido, ou dum clube de futebol, dum País ou duma religião e é aí, (em ultima instância?) que se vai buscar identidade e força. Será? Depois há os trânsfugas, os prosélitos e os traidores. Há os que andam de vaivém, dos que vão sempre com os que vão à frente. E por último há os inomináveis que só por si valem todo um domínio. Tem que se ter um sinal de pertença, um emblema, um logótipo. O mais ecuménico de todos os indícios de pertença/poder, é a abastança.
No dia em que o plano Obama é aprovado, é noticiado que muitos mil milhões de dólares, um terço do valor destinado à reconstrução do Iraque tinha desaparecido. Um valor superior ao golpe Madoff. Como faço justiça de acreditar que não foi Bush nem ninguém do seu Estado Maior, vou jurar que algum soldado ou cabo como Lynndie England julgada e condenada por ter torturado prisioneiros de Abu Ghraib também torturou, fez sevicias e maltratou a economia do Império, contrariando as ordens que lhe tinham sido expressamente dadas. Olhou para as notas e leu “In God We Trust” e disse intimamente numa língua universal, a da cupidez: assim Ele me ajude….

16 de Fevereiro



Faz hoje 34 anos, ainda não era meio-dia, faltariam um ou dois minutos, quando uma freira abria a porta da sala de operações do antigo Hospital da Guarda, trazendo uma trouxinha com um bebé. Uma criatura delicada coberta com uma espécie de véu. Véu que não existia, mas eu via. Não era o véu da fantasia nem o da imaginação, nem o dum sonho. Por debaixo daquele véu que estava apenas nos meus olhos, estava a realidade e uma pessoa. A partir daquele momento entendi na carne que tinha como se fosse mais um órgão, passava a ter uma função a tempo inteiro. Mal a freira me passa a trouxinha para os braços senti que tinha nas mãos qualquer coisa de muito frágil e tive imenso medo que se estragasse, que se partisse, passando-a de imediato à minha querida tia Clotilde, e segurei-me disfarçando o desconforto encostando-me numa mesinha redonda com camilha mas sem cadeiras. Recordo as feições perfeitas do bebé com uma espécie de borbulhinhas nas maçãs do rosto, e um ar de incómodo. Possivelmente eu teria já fumado vários cigarros, mas disso não me recordo. Lembro-me do cheiro a éter e de repetir a pergunta vezes sem conta a todos, inclusive ao Dr Ascensão, obstetra retornado de Moçambique, pessoa extremamente afável, simpática e exímio profissional que tinha feito a cesariana. Ninguém respondia à questão: como está ela? A minha mulher grávida era até àquele Domingo a pessoa mais importante do Mundo. O Dr Pissarra de Matos médico anestesista e pessoa amiga, cuja esposa D. Elisa para mim a Menã, me acompanhava no momento, hoje já ambos num mundo melhor, havia poucos minutos perguntava-me se ela , a minha mulher, tinha deixado as veias em casa, e com um sorriso questionava-me se queria um rapaz ou rapariga. Havia para aí um quarto de hora era ela a pessoa importante do processo. Depois entendi que ela era a segunda mais marcante. Não foi fácil entender que aquele estranho, recém-chegado a quem dei o nome Manuel, nome dos dois avós e um dos meus nomes de baptismo, e Alexandre nome de rima engraçada e de compromisso do gosto dos progenitores, passaria a ser a pessoa que condicionaria a nossa vida a partir daquele momento. Parabéns Xanito, homem das terras altas, vieste porque foste muito desejado, feito com muito amor, e sob total responsabilidade minha e de tua mãe. Mas agora a vida é tua e isso é outro post.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Na necessidade até os cães são herbívoros


Pedagogia
s. f.,
teoria da educação;
arte da educação e do ensino;
estudo dos ideais de educação, segundo uma determinada concepção de vida, e dos processos mais eficientes para concretizar esses ideais;
profissão ou prática de ensinar, leccionar;
educação moral


Demagogia

s. f.,
governo ou actuação política pautada pelo interesse imediato de agradar às massas populares, com o fim de alcançar o poder ou de o manter


Retirei o significado de ambas as palavras duma ferramenta utilíssima, do site: http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx.
Nunca fui conservador, sempre achei que quem muda Deus ajuda. Aprendi o que era o Processo Histórico. Cedo compreendi que havia verdades eternas e mentiras que por mais vestidas de verdades, o tempo, esse grande arquitecto, se encarregava de despir. Isto vem a propósito de hoje ouvir na televisão que num clube partidário houve eleições e quem ganhou foi uma proposta em que se defendia a eutanásia, o casamento entre pessoas do mesmo género, e a regionalização. À parte a regionalização em que votei e continuarei a votar contra, os restantes temas para mim são pacíficos. A minha questão é outra, interrogo a oportunidade e necessidade de semelhantes teses mais ou menos fracturantes serem discutidas no momento em que o Mundo é ameaçado com uma deflação de consequências desconhecidas. Já sabemos que estes temas são benquistos da esquerda radical e também já sabemos que esta terá mais coisa menos coisa 20% dos votos. Ocupado o centro direita e o centro há que ultrapassar a esquerda pela esquerda. Isto tem um nome. Tive o cuidado de acima referir o significado das palavras que me vieram à memória, uma por oposição a outra.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Sexta Feira 13


Quando cheguei a casa havia um frio danado, embora lá fora o dia estivesse luminoso.
Mal entro, na penumbra do hall, deparo com um velho conhecido de chapéu transparente, suspenso no espelho que guarda a entrada, numa acrobacia impossível não fosse imponderável. Saudei-o e preparava-me para recitar algumas orações, eis senão quando recebo o convite: vem daí, mesmo gordinho como estás, passas aqui bem, vem ver por onde ando. Pensei que o vidro, mal fizesse força, partiria em mil bocados e mais, a estupidez seria total, dar ouvidos à minha imaginação sem freio. Pousei as luvas e sorri tentando arranjar uma desculpa cortês. Este é um dos meus fantasmas preferidos, é o espírito do proprietário dumas coisas que guardo na garagem que desencarnou num duelo defendendo a sua dama. Pobre dele, que a dama era dele e dum brigadeiro, e ele sabia-o. Mas noblesse oblige. Suicidou-se naquele duelo, não acreditava nela nem nele e preferia morrer a ver-se publicamente humilhado. Não foi uma morte por honra ou por amor, foi uma morte por egoísmo, mas com sabor romântico. Curiosamente, quem o desafiou julgava que este seria o seu melhor amigo transformando-o em cadáver. Um tiro certeiro, as leis da sorte ou do acaso quiseram que o meu antecessor neste local adquirisse bilhete de ida mais cedo. Não encontrou a paz de espírito que tanto almejava. Ficou-se naquele entre mundos onde persiste a memória, a dor, o frio e a solidão.
Não podia aceitar o convite, aquilo era um abismo. A minha sanidade mental ficaria seriamente ameaçada. O meu cão, o Gatsby, treme permanentemente e a estremecer abeirou-se de mim abanando o rabo como sempre que chego a casa. Naquele momento tremia mais que o costume. Debruço-me sobre ele e faço-lhe uma festa. Levanto a cabeça para responder ao meu interlocutor e no espelho apenas o reflexo que lá devia estar. Está visto, o Gatsby afasta os fantasmas, por isso tirita tanto, curiosamente até o espelho baila. Além de cultivar fantasmas sustento um verdadeiro ghostbuster.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

A César o que é de César


Não limitarei a liberdade de expressão a ninguém, isto é um axioma. Diria mesmo mais, daria a minha própria vida para que qualquer um tenha o direito de se expressar livremente, seja por escrito, verbalmente ou por qualquer forma de representação artística. Isto não é retórica, refiro-me mesmo a bater-me fisicamente pela liberdade. Toda a gente pode e deve dizer tudo o que lhe apetecer sobre tudo o que quiser e o seu concurso será avaliado de acordo com o ethos, a sua credibilidade. Posto isto vamos ao que interessa.
Pessoalmente entendo que na intimidade de sua casa cada um come do que gosta e por onde quer. Hoje sei que ser-se homossexual não é uma questão de escolha. Nasce-se assim, como se pode nascer com qualquer outra característica que marca para sempre um indivíduo, como a cor da pele, o tipo de cabelo, o tamanho do cérebro, etc.
Assim sendo ninguém tem o direito a ser homofóbico, como não se pode ter o direito a ser-se racista, em qualquer caso discriminar só porque o outro é diferente.
Reconheço à Igreja Católica todo o direito de dar a sua opinião sobre todos os assuntos. Mas sabemos o resultado de algumas das opiniões da Igreja sobre o que envolve a sexualidade, a começar pela pílula. É mau perder (ou ter?) o sentido de oportunidade. A Deus o que é de Deus, a César o que é de César e no momento em que o alto clero abre as suas trombetas contra a proposta de se legislar sobre a união de homossexuais, depois fazer uma emenda pior que o soneto, faz um grande favor a César, na ocasião em que este é vergastado por um patrão, o dono da Jerónimo Martins e simultaneamente pelos patrícios da oposição no Senado. Não sei se César saberá agradecer semelhante cortesia que objectivamente lhe foi feita.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Lembrando António Aleixo




Para a mentira ser segura
Atingir profundidade
Tem que trazer à mistura
Qualquer coisa de verdade
(António Aleixo)



Quando ouço alguém dizer que actualmente há medo em Portugal e que as pessoas não se expressam em plena liberdade fico meditabundo. Parece que quem diz isso ou vive na Madeira, ou não viveu no tempo da paz dos cemitérios, tempo duma só opinião. Falar sempre se falou, embora as paredes tivessem ouvidos, e muitos de nós pagássemos mais ou menos por isso. Falava-se mas não se divulgava pelos canais normais o que era pensado ou dito.
Sei o que é o clientelismo. Também sei que uma fineza com outra fineza se paga, sobretudo nas pequenas povoações. Mas na generalidade a blogosfera é um argumento em sentido inverso. Quem diz alarvidades semelhantes e quem as divulga de imediato provam o contrário. Não são homens avinagrados pela vida, mas aviagrados impotentes, com saudades de comerem, no sentido mais lato que a palavra possa ter, na área do poder.
Quem não deve não teme. Há dias falei bem dum banqueiro, hoje defendo o regime, eis um perigoso sintoma de velhice. A tudo se chega enquanto a vida dura. Ser antiquado e conservador não vai muito com a minha pele, mas enfim, há traços de personalidade que só se manifestam com os anos. Às tantas cheguei à altura de prezar as pantufas, ficar paralisado frente à idiot box e nos momentos produtivos dedicar-me às ciências ocultas e escrever em blogs.
Mais ridículo que um politico manipulador e hipócrata é outro mais demagogo ainda esgrimindo argumentos azulados, arranjados na esquina do pecado ou na farmácia. Ocorrem-me à memória muitos e de todos os cambiantes dos clubes partidários…
Neste momento, mais que nunca, são necessários políticos que sejam pessoas livres, corajosas e plenas de ousadia, sonhadoras e idealistas, firmes e resistentes, cheias de vida e sobretudo autênticas.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Às armas, às armas



De tudo o que escrevo quando o não faço é quando me expresso melhor. Daí o meu silêncio. Mas vamos ao trabalho, vamos a não expressar, neste exercício de autosatisfação.
Por mais esforços que os Estados façam no sentido de encher a Besta, desimpedir e ajudar a banca mundial, é certo que esta só retomará o comércio bancário normal depois de devidamente capitalizada, meio cheia ou meio vazia, depois de se refazer das perdas provocadas por marketeiros e gestores da nova vaga de contabilidade criativa, plutocratas esbanjadores, gandulos sem cerviz nem moral, que minaram a confiança de todos em todos e em tudo. Bancário com mais de trinta anos ao serviço do Bezerro de Ouro que agora parece estar apenas dourado, presto daqui a minha homenagem a um banqueiro, (ai que medo), que prestou um serviço patriótico ao País pela serenidade, compostura e esperança que mostrou na entrevista à RTP. Refiro-me ao Dr Espírito Santo Salgado pessoa que não conheço e de quem nunca fui colaborador. Foi a primeira pessoa que vi, racionalmente, pintar um cenário futuro de cores menos carregadas. Não sei é se haverá tempo para que ressurja a confiança e capitalização.
Quando e se houver desobediência civil, quando as estradas aparecerem cortadas com reivindicações, por mais legítimas que sejam, quando a ruptura do tecido social for séria, quando bandos armados depois de saquearem supermercados e outras lojas quiserem controlar bairros, e terratenentes se mostrarem capazes de se organizarem e defenderem as suas regiões, quais feudos, então só um milagre nos salvará da barbárie. Isto à escala planetária. Quem anda na estrada vai-se dando conta da sua menor utilização sobretudo pelos pesados, parqueados à vista, em formatura militar com a serenidade peculiar, tétrica e lúgubre dos Main Battle Tank (MBT) aguardando a ordem de marcha. Alguém se perguntará se isto não era previsível.
Estamos na Europa e aqui as armas de fogo não são sagradas. Não será altura dos nossos governantes, enquanto é tempo, determinarem democrática e pedagogicamente que as armas de caça sejam depositadas nas mãos da GNR e da PSP ou entidade com capacidade para as guardar durante a época do defeso? As armas serão sempre dos seus legítimos proprietários, ser-lhe-ão entregues na altura da caça, mas durante o restante período serão guardadas por quem tiver condições para tal e não serão tão facilmente roubadas, transformadas em shotguns, ou a armar bandos de civis a perguntar com a voz do calibre doze Quem Vive???!!!
A resposta só poderá ser uma e em castelhano: Viva La Muerte

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Noticiários


Não sei se a humanidade em si é boa ou má. Não aceito o substantivo, aceito apenas o adjectivo. Talvez o ser humano seja o objectivo supremo da criação. Não tenho a certeza disso. Acredito em algumas pessoas que conheço e se dedicam a actividades mais ou menos humanitárias e filantrópicas. Mas não acredito na humanidade em abstracto. O conjunto de homens não fazem a humanidade como a entendo. O conjunto dos seres humanos constituem a espécie humana e como todas as espécies é eticamente neutra. Acredito no homem/mulher de carne e osso com os seus vícios e com as suas virtudes. Sei que o Mundo não é um lugar perfeito e que o clima global económico financeiro é perigoso e acarreta todo o género de problemas sociais. Mas ser-se diariamente bombardeado com notícias cada vez mais deprimentes, é dose. Sem uma palavra de esperança, sem ninguém ser capaz de pintar uma cor mais risonha no horizonte, apenas só escarafunchar para encontrar mais violência, mais desgraça, mais sangue, mais miséria e mais desemprego, proponho que se torne obrigatório logo no inicio dos noticiários da televisão, todos os canais exibam no canto superior direito, não uma mas duas bolinhas vermelhas, e a advertência aos incautos espectadores que aquele programa contém conteúdos que podem e devem ferir a sensibilidade do respeitável público.
Haja decoro e pudor, ninguém melhora isto vulgarizando o mal e desumanizando o povo.