sexta-feira, 30 de abril de 2010

Sapere aude


Num olhar crítico despido de preconceitos e sem a habitual carga hostil e previsível a que há lugar sempre que se discute politica, seremos capazes de estar de acordo numa coisa. É nestes momentos de histeria financeira, em que todos ouvimos dizer que vamos ter uma forte dor na carteira, que dão força e legitimam toda a casta de cortes em benefícios sociais e aumento de impostos, sacando o mais que se puder sobretudo a quem ainda alguma coisa tem, leia-se classe média. Cantem-me loas à credibilidade do euro e ao patriotismo que a mim não me alegram. Todos sabemos que são as mesmíssimas e javardas agências de notificação (a quem pagamos, note-se) que aconselhavam os produtos de Madoff que põem agora os chamados PIGS na lista negra. Esquecem a Irlanda, (com números piores), porque o Reino Unido é o seu principal aliado, esse decentíssimo país membro da UE, e que ainda há pouco, quando o dólar esteve em maus lençóis, ponderava entrar para o euro e que agora repudia. É contra toda as leis da economia nações inteiras ficarem reféns de registos feitos por gente sem escrúpulos.
O capital nunca teve nem terá ética. Os mercados de capitais pretendem apenas gerar números (lucro), quanto mais rápido melhor, nada mais, numa guerra quase sem regras. Não há jantares grátis, por isso o meu desejo é que consigamos ter um comportamento racional, e não haverá mercado financeiro que se importe connosco.
Tudo o resto é política no pior sentido da palavra. Veremos a factura que Passos Coelho vai apresentar por ter aparecido ao lado de Sócrates. Pragmatismo é uma coisa, demagogia mascarada de patriotismo é outra.
É preciso que o povo queira sapere aude.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Como os patetas são felizes, ainda podem ter enganos


Sabia que determinadas coisas aconteceriam. Tinha tanta certeza nelas como na força da gravidade. Eram as leis da História. Tinha a certeza que haveria uma revolução, a liberdade seria restaurada, as colónias seriam independentes e que teríamos um futuro dourado num país de azul. A modernização do ensino acabaria por criar uma sociedade mais racional e justa e e a melhoria das vias ferro e rodoviárias faria com que os turistas viessem até nós beber o sol e desfrutar da nossa maneira hospitaleira e simpática de ser. Tinha a certeza que havia um élan capaz de servir de Estado Maior para esta mudança, as Universidades.

Poderá pensar-se que isto era ficção, mas a realidade, mais uma vez, mostrou-se mais fantástica. Quase tudo é incomparavelmente melhor Quase tudo foi como pensava. Mas o quase que não imaginei é enorme e monstruoso.

Observe-se alguém saído dessas Universidades que criaram uma nova classe que desrespeita os poderes democráticos, aqueles que se auto classificam de muito bons, os que se avaliam uns aos outros nas suas excelsas qualidades, que se absolvem e que a ninguém prestam contas, e que pouco a pouco se arrogam em Estado Maior do Estado.

Neste 27 de Abril de 2010 não falo de desilusão, mas sinto uma coisa estranha, será engano ou triste desengano?

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Comichão nos gorgomilos


O País das Maravilhas da conhecida Alice, a ilha reino de Liliput onde acordou Gulliver e a República das Bananas são países desenhados por quem quer caricaturar uma realidade aborrecida sem chamar os bois pelos nomes. As últimas que chegam da minha xanta terrinha equivalem a um desses reinos de fantasia. Em determinado processo, o autor do crime provado de corrupção activa é absolvido, sendo condenado quem cumpre o dever moral e cívico do denunciar, e quase em simultâneo o Sindicato dos juízes, (será Grémio?), pede a extinção da Ordem dos Advogados, (será um Sindicato?). Não me refiro a um processo kafkiano que ocorre num exótico e esdrúxulo estado, falo de Portugal, a terra onde Eu nasci, onde já houve uma aristocracia de toga, país com oito séculos de história e que já ultrapassou os mais diversos desaires, exógenos e endógenos, desde a ocupação espanhola, as invasões francesas, à guerra civil, ao colonialismo inglês à ditadura salazarenta com censura. pide e tribunais plenários.
Faltava-nos esta: uma agremiação de pessoas que constituem um órgão de soberania (o que por si só é uma aberração), querer acabar com a voz incómoda duma Ordem profissional. Isto não é notícia fabricada, eu ouvi-a da boca de quem a proferiu. É como uma ponte que se parte.
Quase me conforta saber que os Advogados têm além da Ordem, uma espécie de cancro político que nos corrói, as Sociedades de Advogados que trabalham para o Governo.
Sei que a esmagadora maioria dos licenciados em Direito não merecem isto, mas a novíssima plutocracia forense, essa sim, merece.

domingo, 18 de abril de 2010

Guardas


Na Terra há locais fantásticos desde paraísos a reais infernos. O bocado que nos coube em sorte é o laboratório do que não deve ser feito. Aprendizes de feiticeiro, às vezes cheios de boa vontade e pouco conhecimento, julgam ter visto, deduzido, intuído, sei lá, ter descoberto coisa que valha a pena, e com a irresponsabilidade narcísica própria destes tempos, sem cautela, acham que basta fazer a experiência e fazem-na: veja-se o resultado desde a justiça ao ensino após os ensaios levados a cabo e firmados por sindicatos de doutores, por extenso como convém. Desde que não dê muito trabalho, seja original, moderno ou importado, é bom.

Sempre que tenho que passar a pé, como é óbvio, na R do Comércio da minha terra, os mortos caminham a meu lado. Sem querer ser injusto, refiro dois dos locais como dos mais emblemáticos que cumprindo as leis do dinheiro se transformaram em agências bancárias, a Casa Armando e a Cristal. Após a requalificação daquela rua, uma passou-se para a R Marquês de Pombal, a outra para o Vivaci. Eis uma R do Comércio sem comércio bancário. Nem os chineses ali abriram uma loja. Deverá haver razões para lá dos meus gostos.

Detesto passear sozinho naquela rua, sinto-me exótico na companhia de fantasmas. Um interland entre duas Guardas

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Absurdo


Quando se traça o perfil psicológico de alguém encontram-se fatalmente alguns traços patológicos residuais que fazem que sejamos quem somos. Assim, cada um de nós , depois de devidamente “normalizado”, contem escondido em si um louco
Lembro Dostoiévsky e muitas das figuras que habitam a sua obra. Julgo não ser asneira afirmar que foi o romancista existencialista original, o primeiro que procurou transmitir a noção dum procedimento ser bom ou mau de acordo com o momento e as circunstâncias, embora de maneira hiperbólica mas sempre magistral. Mais tarde, de maneira exímia, Camus sintetizou melhor a ideia, reduzindo-a ao absurdo.
A loucura da liberdade e da solidão serão apenas coisas dum louco.
Sonho, sonho e sonho só a liberdade e a solidão... Porém, no dia-a-dia mascaro a minha loucura.
Descobri tanto a liberdade como a solidez na minha loucura: a liberdade do isolamento e a segurança de não ser compreendido, pois aquela ou aquele que me compreende escraviza-me.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Um candeeiro sobre o Tejo


Uma ocasião visitei um amigo acamado, no hospital donde já saiu morto. Na conversa, que ambos sabíamos ser a última que teríamos, falámos de pouca coisa, mas por razões que se adivinham falámos de suicídio. Julgo ter sido ele que referiu uma ideia de Unamuno, que eu já conhecia, para quem a diferença entre espanhóis e portugueses era sobretudo o de nós sermos suicidas e eles, espanhóis, matadores. Dava aquele Miguel (um dos grandes da Ibéria) como exemplo o do suicida Buiça ter suicidado o suicida Sr D Carlos I. Como este assunto, (suicídio), foi sempre uma espécie de Via Sacra de que fugi sempre que pude, acabei por dizer, e não circunstancialmente, que todos os que se suicidam, fazem-no porque têm medo da morte, não da vida. Não posso entrar em empatia com um suicida. Juro não saber se para tal é necessária coragem ou muito medo de morrer cumprindo as leis da vida.

Mesmo fugindo para a frente, foge-se. Quando se foge é por medo. E quando se caminha determinado para a morte, foge-se da vida ou da tragédia que ela contém?

Mas a fava no bolo é esta. Ela, a morte, apanha-nos a todos em vida. Nem é preciso desligar, ela funde-se por si e nunca sabemos quando, a hora exacta. Ter consciência disto é o sentimento trágico da vida.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Jogos


O canal Q das PF passou uma entrevista com a jornalista Felícia Cabrita no programa “Agora a Sério”. Jornalista de pluma temível de quem já gostei mais do que gosto. Não me refiro aos seus dotes literários mas ao percurso e exposição profissional. Dito isto vamos ao que interessa. A denodada plumitiva disse publicamente que a prova jornalística não era igual à prova jurídica e a prova disso é que após o caso Casa Pia lhe tinham movido vários processos, (ouvi 20?), e não perdeu nenhum.
Emídio Rangel ontem, na SIC Notícias, reiterou a afirmação feita na Comissão de ética da AR que a Associação Sindical dos Juízes Portugueses e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público estão ligados a violações do segredo de justiça, obtendo processos para os jornalistas publicarem e trocando esses documentos nos cafés, às escâncaras. Afinal quem joga que jogo com quem?
Sei que há várias verdades, mas aceitemos que cada um intimamente tem a sua verdade não negociável. Mas acabar por dizer, ao que percebi, que basta um desculpabilizante alegadamente antes, para poder chamar ladrão, falsário, proxeneta a um cidadão qualquer, porque cruzou a informação com dois tipos, com ou sem credibilidade, colocados junto da fonte, acho inaceitável. Que o narcisismo ou, a necessidade de protagonismo que é a mesma coisa, mande às couves a lei e a moral só por que me convém é algo mais que muito reles e ordinário: é ignóbil, sórdido.
A AR, o Governo e os restantes órgãos de soberania são quê? Uma federação de quadrilhas de malfeitores… Em tese a opinião que acintosamente querem passar é essa.
Afinal quem é que foi sufragado pelo voto popular, quem tem legitimidade para exercer o poder, o sindicato dos deputados, perdão, dos ministros, perdão, dos soldados, perdão, e com perdão dos juízes ou dos jornalistas?

terça-feira, 6 de abril de 2010

O que povo gasta


Será que o povo português, esse bolo físico e mítico entende que a actual situação económico-social seria francamente pior se não vivêssemos em democracia? Não sei…

Ouço, demasiadas vezes para o meu gosto, pessoas dizerem que nunca mais votam. Respondo meio a brincar que Salazar, lá no outro mundo, dá pulos de contente. Depois a conversa flui e ouve-se: o que cá faz falta é uma ETA, tem que se fazer uma revolução, julgar sumariamente estes parasitas, fuzilá-los e outros mimos semelhantes. Estas conversas ocorrem quando quem fala aproveita um momento de compensação, um instante de desabafo para descarregar as frustrações ganhas no trabalho e portanto não as levo demasiado a sério. Mas é bom perceber-se que não falo duma só pessoa. São bitaites que se ouvem aqui e ali.

Ouvir dia sim, dia sim, referências a Sócrates ou a Portas permanentemente envolvidos em suspeitas, o cherne Barroso salpicado pela merda que a Spiegel diz que o cônsul em Munique fez, a hipocrisia ser levada ao extremo e dizer em primeira página que foram descobertos pecados novos do presidente fulano ou do secretário geral cicrano, pode desanimar o mais crente nas virtudes da democracia. Quase damos razão à Ferreira Leite e desejamos meio ano de ditadura para descansar de tanta verdade… (abrenuncio, abrenuncio, abrenuncio). Ninguém inventou nenhum pecado novo. Comportamentos sexuais desviantes sempre os houve episodicamente, sobretudo em colégios dum só género e diferenças geracionais marcantes, incluindo seminários, católicos ou não. Basta ler os clássicos ou ver alguns filmes. Neste instante recordo um baseado num romance autobiográfico cujo autor é quase nosso conterrâneo. Tomar a parte pelo todo, generalizar, espalhar trampa por toda a parte é o que está a dar.

Nada é a preto e branco e não podemos ser maniqueístas. As coisas são mais simples ou se quiserem muito mais complicadas num dégradé permanente. Mas exumar noticiais, reciclá-las para as vender de novo, não justifica este ambiente em que se fica com a sensação de tudo cheirar mal.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Irresponsabilidade


Responder pelo que fazemos, pelas acções de outrem em determinadas circunstâncias, e sempre pelo que nos é confiado chama-se responsabilidade. Conheço muita gente que em conversa informal vai dizendo que prefere a tutela de alguém ou de algo a ser livre e concomitantemente responsável, incluindo alguns fazedores de opinião. Dizem que há liberdade a mais, debitam uma fiada de desgraças, que não há nenhum dia em que não haja noticias pondo em causa a honorabilidade desta ou daquela figura pública, e como isso os deixa desconfortáveis. Fatalmente acabam com a expressão: no meu tempo ou antigamente é que era bom. A mim ninguém me apanhará nessa. Antigamente, só era melhor ser mais novo e mais inocente, mais nada. De qualquer modo a nossa imprensa como tudo o resto é o reflexo do que somos, é tão boa ou tão má como nós. Sabemos que à mulher de César não lhe basta ser séria, tem que parecê-lo. A imprensa é culpada pela forma como procede a julgamentos sumários na praça pública. Os culpados em título, no texto acabam por vir a ser remotamente arguidos. Defesa de igual impacte, não têm.

Não há liberdade a mais, há é responsabilidade a menos, a vários níveis.

Irresponsabilidade é outra coisa, é sinónimo de inconsciência, é as leis serem feitas por escritórios de advogados, é comprar submarinos…sem se conhecerem razões, critérios e contrapartidas.