quinta-feira, 27 de maio de 2010

Pólis


Um lamento, uma lamechice sem jeito é o que vou escrever. Por isso não vale a pena a inteligência da minha terra dar-se ao trabalho de ler ou mandar ler.

Esta minha xanta terrinha é conhecida por não fazer justiça aos seus melhores e por estragar com facilidade aquilo que tem de bom, já o disse vezes sem conta.

Costumo passear aquilo que tenho demais, o meu peso, e tento ganhar o que não tenho, a calma, no Parque Pólis da minha pólis. Um parque é sempre um local aprazível e aquele também é, e tem, melhor dizendo, tinha um pedaço de que gostava particularmente. Mas já não existe. Estragaram o magnífico espelho de água que por ali havia. Alguém teve a ideia peregrina dali fazer uma obra de arte e mandar limpar o fundo do lago. Pior a emenda que o soneto… Vieram meios, uma retroescavadora de lagartas que trabalhou sempre debaixo de chuva, logo de efeito quase nulo, e para completar a obra rompeu com a lona que impermeabilizava o fundo do lago.

Tenho a certeza que haverá mil razões para aquilo ficar assim, desde as de ordem técnica às económicas, e por ventura e para espanto meu, ecológicas. Tenho a certeza que estas palavras não terão eco. Tenho a certeza que ninguém será responsabilizado. Tenho a certeza que não será tão cedo que aquele local, hoje infecto e nauseabundo, voltará a ser o pequeno, belo, brilhante e sonante bioabitat que já foi. A palavra não existe, inventei-a na minha ignorância, e emprego-a para referir um local com condições favoráveis a uma fauna e flora equilibradas, dignas dum jardim.

Também estava capaz de jurar que sei quando alguém tomará medidas. Mas isso não era previsão, era dizer o que todos pensam, o óbvio.

Oxalá me engane, e venha aqui dizer que fui injusto, e que tudo o que não disse era produto dum pensamento malévolo e descrente.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Ensaio



Apetece-me falar como se fosse de mim.
A vida tem-me tirado daqui, deste exercício de exibição, (puro narcisismo) e de limpeza, (puro capricho).
Há dias dei entrada no meu labirinto, um labirinto infinito, espécie de versão terrífica das 1001 noites. Caminhar num labirinto pressupõe que se opta por uma solução eliminando a(s) outra(s); no meu, inextricável que é, opto por todas e por isso corro o risco de não permanecer muito tempo consciente, aqui e agora. Caminho em todos os sentidos, daí a minha dor e contradição permanente. Assim, em cada bifurcação escolho ambas as hipóteses, mas sem aquela inabalável fé que se usa numa selecção. Escolho esta não escolha. Isto põe-me aturdido, assustado, com o coração descompassado e angustio-me. Fosse capaz duma coisa simples e resignava-me.
Entrei numa tarefa épica, verdadeiramente heróica: marcho para a batalha, com horror às sombras que me rodeiam, e dou de trombas com uma festa onde começam duas Histórias; simultaneamente iniciei a minha marcha noutro caminho, ignoro as sombras, salto as pedras, sinto-me forte e no campo de batalha encontro o vazio, onde de imediato tenho duas opções; escolho ambas…
E a espada? A minha espada lógica? Não a vejo, não a encontro.
Sairei deste labirinto, encontrarei de novo o meu coração tranquilo, sem optar por um só caminho?

sábado, 22 de maio de 2010

Patriotismo e velhice


Agora que tudo anda grego com a situação económica, espanta-me o patriotismo de alguns. É um verdadeiro espectáculo de faz de conta.

O PC apresenta uma moção de censura ao governo. Defende a tese que há alternativas à de meter o longo braço do estado nos bolsos de nós todos. Além do que sustenta o Governo e do autor da moção, todos dizem cobras e lagartos, fazem reprovações mas abstêm-se no momento de votar. Afirmam alto e bom som que seria dramático neste momento, tão difícil, o país ficar sem governo.

Ao contrário do que parece não há nenhum patriotismo, nem altruísmo em semelhante atitude. É necessário manter aquela gente do Governo a tostar, (esturrar mesmo), agora que o forno está quentinho, e tem que haver uma politica de mão de ferro e esperemos que não de sangue, pois não sei qual vai ser o impacte social. Como não há mal que sempre dure, logo que haja a mais pequena hipótese de melhoria, vão clamar por eleições e correr com quem nos colocou nesta posição, de cócoras. Exactamente os mesmos que se puseram de quatro no chão, com os olhos na América e rabo alçado voltado para o Europa.

É bom que se saiba que para dançar um tango são precisos dois, a agarrarem-se bem e com elegância quando um dos elementos faz um passe mais difícil e desafia a gravidade (falo da de Newton claro). Hipocrisia e falsidade nada têm com patriotismo, palavra caída em desuso e depurada do glossário político.

A tudo se chega enquanto a vida dura. Jamais julgaria possível pôr-me do lado dum governo e falar de patriotismo. Sintoma sério de velhice, está visto.


sábado, 15 de maio de 2010

Não à crise, não às mal vestidas, sim à pulcritude.


Tirei esta fotografia hoje com o meu telefone no Quiosque do Bonfim quando fui comprar o jornal. Já tinha ouvido que uma professora das AECs de Torre Dona Chama, Mirandela, tinha posado nua para a Playboy. Fiquei meio amarelo quando dei conta que quase todas as pessoas achavam bem que a boa, (e de que maneira!!!), da criatura fosse suspensa de funções por imoralidade. Se a escola onde lecciona fosse um colégio católico, ou doutra confissão qualquer, embora fosse discutível, ainda podia aceitar, mas numa escola pública? Habitualmente reconhece-se que a moral da República é o que está plasmado na Lei, nada mais. Como não me consta que haja uma lei que proíba a foto e divulgação do nu mais ou menos artístico, quer parecer-me que há mesquinhez e hipocrisia em doses industriais por parte dos zeladores, (ou zelotas) da moral pública de Mirandela. É voltarmos ao tempo dos atestados de bom comportamento moral e civil. Isto sim, configura um grosseiro atentado ao direito à liberdade de expressão e o Ministério Público, tão célere a dar pareceres que ninguém pede, agora, convenientemente, cala-se face a um delito que julgo ser público.
O Papa veio até nós e ao que dizem saiu de cá com uma visão mais concreta e menos intelectual e desumana da fé, só porque o convívio e os banhos de multidão portuguesa o tornaram mais afectivo.
Somos assim, damos uma no cravo e outra na ferradura. Ao Papa toda a nossa simpatia e sensibilidade hospitaleira, à escultural professora tiramos o trabalho porque mostrou ter tudo para ser uma carinhosa e nutritiva educadora.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Ausência em labaredas




Subitamente em ti

Um fogo lento

Morrão mal apagado

Converte a vida num tormento

Educadamente disfarçado.

O fogo aumentou, queimou-te por dentro

E por dentro de nós cresceu o medo

Embotou-nos o senso e a visão

Até ficares demasiado sereno…

Partiste só, sem uma mão,

Sem um lamento.

E pela chaminé do crematório saíste,

Tens pelo fogo a paz e a libertação.