quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Vinculos

Será necessário aos meus filhos, que no seu trabalho utilizam máquinas semelhantes a esta onde escrevo este post, saberem quem foi Alessandro Volt e a importância que as suas rãs e o seu laboratório tiveram para disporem de semelhante tecnologia? Apetece-me fazer uma série de citações que me vêm à memória, mas resisto, e não o faço. Claro que devem saber quem foi Volt, Ampere, Coulomb, Joule, Ohm, Alan Turing e tantos outros. Não tenho a certeza de ter sido minha obrigação ter-lhes ensinado tal coisa. Sei que o devem saber, e se não o sabem, a culpa não é minha. Não chega dominar a técnica de utilização duma aplicação informática, exige-se mais que isso.

Noutros domínios, noutros valores, noutras memórias serei responsável se não fui capaz de transmitir o que era suposto. Mas há um dado importante a referir. Talvez tenha sido a minha a última geração de pais que dispôs da ajuda da geração precedente. Como ambos trabalhávamos, os filhos ou iam para o infantário ou ficavam com os mais velhos. Aí aconteciam maravilhas, os valores fundamentais, algumas tradições, certas (porque certas mesmo) atitudes foram transmitidas e determinadas competências foram adquiridas. Uma geração, mais resistente à mudança que a minha, moldou a geração com cérebro mais maleável. Hoje isso não é possível, porque o comodismo umas vezes, a ignorância outras e a ganância conseguiram construir Lares e Casas de Repouso para a Terceira Idade. Criou-se um negócio de antecâmaras da morte, prateleiras de inestimáveis bens perecíveis, armazéns de restos de pessoas com memórias sem preço que pouco a pouco se apagam. Numa casa haver três gerações é agora uma singularidade.

À minha geração coube a ruptura com muita coisa e negligenciou a construção com alicerces firmes de duas: nova educação e célere justiça. A atestá-lo estão aí os nossos problemas fundamentais.

O ser humano biologicamente é o mesmo há muito, mas psicologicamente mudou imenso. Por isso eu quero acreditar que os nossos pais colmataram a nossa falta.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Crise de alma

O choque petrolífero dos anos 70 e o aumento progressivo do preço da mão-de-obra permitiram investimentos em energias alternativas e parecia constituir-se um novo paradigma. Bastava que estes dois factores se mantivessem. Contudo, nos finais da década de oitenta, e inicio da de noventa, assistiu-se, a nível planetário, ao valor do petróleo a preços da década de sessenta e ao aparecimento da quase gratuitidade da mão-de-obra chinesa. O novo modelo esfumou-se e chegámos onde estamos. Um beco lamacento, velho, cheio de contradições, desumano e habitado por mortos que ainda não sabem que o são. Claro que isto é uma caricatura a traço grosso, porque o traço que vai dar matriz e consistência à actual situação mundial é a expressão de Camões: fraco rei faz fraca a forte gente. Não há no Globo nem líderes, nem profetas, nem soluções. Um pregador não chega, é muito pouco.

Estamos num momento civilizacional em que se promove a não memória, para não dizer o desprezo pelas humanidades. No ensino secundário a Filosofia deixou de ser cadeira obrigatória. em todos os cursos. A História já não era. E um povo que não é ensinado a pensar e não tem memória de si mesmo fica sem referências, não reconhece tradições nem escala de valores e fatalmente gera uma sociedade distorcida e abstrusa.

Tudo isto tem efeitos, e o menor deles não será os juízes dizerem que os políticos se vingam subtraindo-lhes regalias como retaliação às suas, alegadamente, isentas atitudes, nem a importação da ideia de constituição de bandos de jovens delinquentes a vandalizarem tudo e atacarem pacíficos cidadãos nas noites da minha cidade. Gente nova com pais perfeitamente inseridos na sociedade dedica-se à violência gratuita porque isso dá pica. Isto não é nada.,

Quando as manifestações de violência forem inorgânicas e tiverem como força a fome e a desesperança, não começará em cidades do interior, mas nas cinturas das zonas metropolitanas, e então haverá muitas justiças. Encerrado esse período, mais ou menos curto mas violentíssimo, na síntese do confronto também dialéctico, evocar-se-ão então os epígonos da cultura.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Evocando outros 5 de Outubro

Conheci o homem que içou, faz hoje 100 anos, a bandeira verde rubra no Castelo a 1056 m de altitude. Eu, que no leite materno e em toda a minha educação, bebi os ideais republicanos, fiquei pasmado quando ouvi aquele velho dizer que com a emoção com que içou aquela, içava outra qualquer. Lembro-me do sítio, na altura e diante de quem fez semelhante afirmação, e que me soou a sacrilégio. Eram tempos difíceis. O 5 de Outubro era aproveitado para uns tantos irmos em romagem ao cemitério, com bandeira, evocando os republicanos (leia-se democratas) já falecidos. Recorde-se que o Estado Novo era formalmente uma republica e o dia era feriado, portanto uma manifestação a favor da republica era tolerada. Começava-se por evocar o general Adalberto Gastão Sousa Dias que tentou um putch no Porto em 1927 e depois outro na Madeira em 1931. Homem teso de quem conheci a filha, a D. Anita. Morreu em Cabo Verde em 1934 e foi enterrado na Guarda de noite, e em segredo, para não haver manifestações populares de qualquer tipo. Depois vinha a citação dos que merecidamente, ou não, deviam ser lembrados naquele momento. Recordo esses dias acima de tudo com saudade. Saudade duma angélica candura perdida. O que vim a saber mais tarde, e que ainda hoje só digo à boca pequena, puxou-me os pés para a terra. Boa e doce era a ignorância, tão suave e tão poética. A consciência e o saber corroeram, magoaram-me, moem e causticam-me os sonhos. A sacanice não é apanágio dum só clube, é às vezes, convenço-me, inerente à espécie humana…

Obviamente que a PIDE/DGS seguia-nos os passos, ouvia, tomava nota e escrevia. Mas escrevia mal, percebia mal e relatava mal. Só os nomes conferiam e mesmo esses…

100 anos depois da República se ter espalhado por telégrafo, e o poder ter sido entregue a uma oligarquia, as páginas dos jornais continuam com as mesmas palavras: crise, divida e défict. Mas isto meus senhores, é por não haver respeito pela res pública e não é obra de democratas mas de plutocratas, (palavra fina para dizer gatunos), de todos os matizes.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O presente é sempre o próximo passado




Há muito tempo que a Guarda tem duas feiras anuais, a de S. João de 24 de Junho e a de S. Francisco, a feira rica de 4 de Outubro. No S. João com as culturas ainda enterradas não havia dinheiro disponível mas, chegado o Outono e com as vendas a fazer e as já feitas, a cidade fervilhava de gente e de mercadorias. Hoje, dia de S. Francisco, fui à feira e não a encontrei. Encontrei menos que um reles mercado quinzenal. Nem carrinhos de choque, carrosséis, matraquilhos, farturas, nada. Não tenho memória, em termos comerciais, de ver nesta terra, nada tão deprimente. Sei que não há dinheiro, ou que anda muito mal distribuído, mas há coisas que se podiam fazer. Desta feita a Associação Comercial da Guarda é capaz de ter andado mal.

Queixam-se os comerciantes, e a meu ver com razão, que mataram o comércio da Praça Velha e o da Rua do Comércio permanece em estado comatoso, desde que esta ficou sem circulação rodoviária e aquela sem estacionamento. Da Dorna ao Sanatório, a principal via da cidade, a artéria fundamental enquanto corpo vivo, tem aterosclerose com um by pass na Praça Velha e um enorme atenoma na R do Comércio. Agora por causa duma obra na R Alves Roçadas só já se circula num sentido nesta e no Largo João de Almeida.

Somos uma civilização do automóvel. Quanto mais se limitar o seu uso melhor estão os que têm parqueamento.

Dê-se alento aos de fora. Aos de cá, cevada ao rabo.

Compara-se apenas o que é comparável. Contudo, cliquem aqui.