segunda-feira, 23 de maio de 2011

Antes do ocaso, no acinte do futuro, antes do abismo


Cada vez que ouço um douto televisão dizer que vivemos acima das possibilidades fico com pele de galinha. A imensa maioria das pessoas que contraiu empréstimos para comprar casas e carros cumpriu zelosamente com as suas obrigações.

Acharam isso justo e legítimo.

Usufruíram de auto-estradas e acharam que isso era comum, produto da evolução normal das coisas.
Adoeceram e foram hospitalizados, operados e tratados com boa técnica e humanidade.

Julgaram que os impostos, nomeadamente os sobre o vencimento e o produto do seu trabalho pagavam o que legitimamente tinham.

Acharam isso justo.
Mandaram os filhos para as universidades, deixaram-nos fazer Erasmus, valorizaram-se, adquiriram diplomas, criaram ilusões.

Acharam isso legítimo.

Muitos também compraram a crédito lcd, fogão, frigorifico, máquina fotográfica, máquina de lavar, férias e tudo o mais que a sociedade de consumo oferecia. E pagaram. Satisfaziam o ego e o mercado.

Não viram, nem vejo vícios, nem libertinagem, nem estroinice.

Porque é que temos que ouvir passivamente umas doutas sabedorias dizer-nos com toda a desfaçatez que somos uns preguiçosos gastadores, anafados, que vivemos de expedientes, para além das nossas possibilidades, e que todo o castigo é pequeno.

A imensa maioria não tem que fazer nenhum acto de contrição pelo estado das finanças públicas.

Mas uma coisa é certa, há por aí alguém que pensa que sim, que somos todos uns calaceiros e querem musculadamente tratar-nos da saúde, alterar a Constituição, tirar feriados, por o povo a trabalhar com produtividade (debaixo do chicote?) e arranjar umas massas vendendo o que é serviço público para alguém ganhar em privados negócios. Esquecem um detalhe, que não é despiciendo, ao procurarem uma maioria política, esquecem a absoluta necessidade duma maioria social de apoio e essa garanto que não a têm. Pode ser, pode ser o regresso ao calibre 12.

Oxalá não seja.