Cada vez que ouço um douto televisão dizer que vivemos acima das possibilidades fico com pele de galinha. A imensa maioria das pessoas que contraiu empréstimos para comprar casas e carros cumpriu zelosamente com as suas obrigações.
Acharam isso justo e legítimo.
Usufruíram de auto-estradas e acharam que isso era comum, produto da evolução normal das coisas.
Adoeceram e foram hospitalizados, operados e tratados com boa técnica e humanidade.
Julgaram que os impostos, nomeadamente os sobre o vencimento e o produto do seu trabalho pagavam o que legitimamente tinham.
Acharam isso justo.
Mandaram os filhos para as universidades, deixaram-nos fazer Erasmus, valorizaram-se, adquiriram diplomas, criaram ilusões.
Acharam isso legítimo.
Muitos também compraram a crédito lcd, fogão, frigorifico, máquina fotográfica, máquina de lavar, férias e tudo o mais que a sociedade de consumo oferecia. E pagaram. Satisfaziam o ego e o mercado.
Não viram, nem vejo vícios, nem libertinagem, nem estroinice.
Porque é que temos que ouvir passivamente umas doutas sabedorias dizer-nos com toda a desfaçatez que somos uns preguiçosos gastadores, anafados, que vivemos de expedientes, para além das nossas possibilidades, e que todo o castigo é pequeno.
A imensa maioria não tem que fazer nenhum acto de contrição pelo estado das finanças públicas.
Mas uma coisa é certa, há por aí alguém que pensa que sim, que somos todos uns calaceiros e querem musculadamente tratar-nos da saúde, alterar a Constituição, tirar feriados, por o povo a trabalhar com produtividade (debaixo do chicote?) e arranjar umas massas vendendo o que é serviço público para alguém ganhar em privados negócios. Esquecem um detalhe, que não é despiciendo, ao procurarem uma maioria política, esquecem a absoluta necessidade duma maioria social de apoio e essa garanto que não a têm. Pode ser, pode ser o regresso ao calibre 12.
Oxalá não seja.