segunda-feira, 6 de julho de 2009

A luz do Ozendo


Fascinam-me as localidades de luz parada, coalha, de silêncio imóvel, onde nada acontece, lugares mais fotográficos e menos cinemáticos.

Adoro tudo o que não acontece, quase tanto quanto o que aconteceu.

Adoro sentir o etéreo e subtil, quase tanto quanto uma patuscada e copos com amigos.

Gosto de ser de carne (muita) e osso, e não um diáfano ser. Gosto de ver, gosto de cheirar, de saborear e de todos os outros sentidos.

Quanto menos bebo da árvore do conhecimento e me aproximo da natureza, mais aprecio a relatividade das coisas e o valor das pessoas, dos animais e dos lugares. Quase me converto a um radicalismo verde.

Chegado aqui evoco o seu contrário. Tenho todas as razões para não gostar da Grande Lisboa nem da pequena.

Detesto o humano formigueiro, esgoto dos despojos dum país, cloaca de matéria putrefacta, num vai vem sem sentido e sem fantasia. É uma cidade de muita luz, mas sem cor, uma luz derretida, meio húmida que bloqueia o sonho e eu preciso do sonho, como de água ou de comida. Habitualmente tanto sonho acordado como durmo a sonhar.

Muito simulacro de vida impede-me de fantasiar. Na pequena Lisboa há monstros, diabos à solta, fantasmas bem reais. Entre todos, os mais detestáveis são os falsos aristocratas de província com pretensões a cosmopolitas, intelectualóides frequentadores de ambientes sórdidos, desde as tascas e bordeis aos gabinetes ministeriais. Escuso de os sonhar, existem. Não me assustam mas entopem-me os sentidos. Não os vejo em Paris, mas talvez existam como subproduto, não como os nossos, de genuína e profícua produção nacional.

Mas Paris é diferente, tem luz própria mesmo de noite. Paris é o único lugar do mundo onde se pode viver sem dinheiro. Isto não é uma tontaria nem uma liberdade poética, é uma verdade verdadinha. Paris cidade luz, é mais que uma cidade, é uma civilização, é uma forma de vida, é um deliquío...

Acenem-me do Ozendo ou de Paris que eu vou. Chamem-me de Lisboa e direi que irei logo que seja oportuno.

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