terça-feira, 8 de junho de 2010

Morreu o Zezé Fuzo



Seriam precisos dicionários de palavras por inventar, mas tão reais como a necessidade de respirar, para escrever o que me vai na alma. Como as não tenho, e provavelmente se as tivesse não as mostraria, resta-me ser sério e dizer que morreu um amigo, num ano que me tem sido pródigo… em óbitos. Um amigo, com dedicados amigos, devoto da boa mesa, conhecedor apaixonado e exímio condutor de automóveis, fumador desde muito cedo e até muito tarde, teve vários empregos e nunca o vi de mal com a vida, pelo contrário, desfrutava-a. Sempre com o coração ao largo era de relacionamento afável, urbano, de compleição forte e cara de menino, tinha a esperteza digna dum Malhadinhas e tratava com absoluto desdém os urbanóides, ou os que se portavam como tal, chamando-os de Tétas, Tétas Maleiros, o pior epíteto que atribuía a alguém.

Homem de coragem, de ânimo raro, de vigor invulgar partiu. Partiu, lá para aquele lugar que imagino luminoso e de tons suaves entre o dourado e o azul, aquele espaço sereno onde o equilíbrio reina, lá onde o mal, a imperfeição, as desconsiderações e as injustiças não entram. Partiu para onde só os heróis vão, e o Zézé era um herói. Tinha apenas 19 anos quando pisou e perdeu uma perna numa das malhas que o então império tecia, no lago Niassa em Moçambique. Depois, viveu ou sobreviveu numa epopeia passada em vários hospitais, suportando mais de dezena e meia de operações, até à redentora cidade de Hamburgo.

Foi o Zézé a primeira vítima da guerra colonial com quem convivi. Foi com ele, e ele connosco, que compreendemos de que lado da história nos batíamos.

Calceteiro marítimo não deixava os seus créditos por mãos alheias, e recordo-o, já com a prótese, (que só quem o conhecia sabia que usava), em 1969 distribuir e protagonizar a maior cena de pancadaria que me recordo, quando uns meninos queques de Coimbra vieram à Guarda dar uma lição contra a falsa democracia cripto comunista, expressão que cito de cor dum relatório da PSP que em 74 li na PIDE/DGS. Foi com ele ao volante do seu inesquecível Kadett azul que muitas vezes fui namorar à terra da minha pequena.

Bem Hajas Zé. Bem hajas por teres sido meu amigo.

Os que cá ficámos, ficámos bastante mais pobres. Desculpa não ter sabido aliviar-te as dores e a angústia que ultimamente sentias. Desculpa se não ajudei quando mais precisavas. Desculpa se nenhum de nós foi capaz de te sacar daquela cena.

Tenho a certeza que o bom Deus te recebeu de braços abertos e com todas as honras. É esse o meu conforto.

A toda a família, especialmente à Amélia, Iria e Hugo aqui fica o meu público e fraternal abraço.

1 comentário:

Helena disse...

Raios Menino Julinho!
Agora fez-me ficar de olhos rasos de lágrimas...