terça-feira, 26 de maio de 2009

Segredo Partilhado



Há um segredo por poucos partilhado, sobre um mundo onde tudo o que sonhamos acontece. Há dores e prazeres, angustias e esperanças, pois os habitantes são os mesmos deste outro onde vivemos. Mas, naquele há harmonia, tudo se arranja de forma mais poética e bela. Melodicamente tudo flui com gentileza em todos os sentidos e em todos os tempos, como num filme de tese, de linguagem e plástica irrepreensível.

Havia por lá uma cidade branca por fora e cinzenta por dentro. Construída em cima dum monte, batida por ventos redondos. Uma cidade de que não era fácil gostar. Quem a via dos lados sul e nascente, a parte nova e gananciosamente edificada, via apenas um amontoado de casas de tom branco e sem referências, uma igreja, um castelo, um monumento, uma qualquer coisa diferente. Dos outros lados não, tinha o aspecto venerável que só o tempo, esse grande arquitecto, dá. Servida por duas auto estradas e duas linhas de caminho de ferro só ali vivia quem queria. Obrigados, só os presos da cadeia e mesmo esses podiam pedir transferência.

Fazia parte da lista de cidades condenadas por não terem razões técnicas de existência. Isto porque teve a triste sina de terem ali medrado dois políticos que foram presos pela prática danosa da coisa pública. Cada um pertencia a seu partido, dos que alternadamente iam governando naqueles tempos, e em ambos se criaram anticorpos contra aquela quase milenária cidade. Na capital e nos corredores do poder a palavra Ward, nome da cidade, era sinónimo de problema, logo, havia que a extirpar como se fosse um tumor ou deixá-la definhar até que se extinguisse, à míngua de tudo. Assim as fábricas e escolas fechavam, os centros de decisão e serviços eram transferidos. Necrófagos de povoações vizinhas diziam querer enviá-la para o caixote de lixo da história. Até houve o cuidado das auto estradas que por lá tivessem que passar, serem planeadas e construídas entre barrocos, com placas indicando todas as direcções e todos os locais omitindo o nome da cidade, aparecendo este apenas como se fosse uma informação secundária, como se fosse um túnel, escondendo-a deliberadamente.

Nessa xanta terrinha, se a olhássemos como um povo, víamos o Mundo todo.

Resistia, esperneava, recusava o garrote e apesar do cinzento centrão que a tinha tomada de assalto, havia como que quarks que polarizavam electrões que colmatavam as faltas mais gritantes de maneira generosa. Como todos os seres recusava-se a morrer, embora não faltassem médicos prontos a passarem-lhe a certidão de óbito. Não morreu e a salvação veio dos que garbosamente a guardaram , e de longe, do mar que começou a subir e a acossar e chutar os poderosos habitantes do litoral.

Ward teve um futuro risonho e todos a reconheceram como símbolo de resistência às modas, ao passageiro, ao vulgar e ao politicamente correcto.

Não havia nenhum desígnio divino, houve uma centelha de esperança e respeito pelos princípios fundamentais. Não se resignou à sorte e ao quebranto.


Sem comentários: