quinta-feira, 6 de novembro de 2008

R da Trindade 8 - Fim (por agora)





Em 1970, a casa alugada pela minha gente desde o inicio do século, foi entregue ao seu proprietário, o Sr Pissarra, já falecido. Herdou-a a filha, Srª D Leontina. licenciada em Historia e casada com o Sr. Eng Telmo Cunha. Estes, pouco ou nada sabiam daquela casa. Não viveram na cidade e as ligações a esta eram pouco mais que ténues. Ela conheceu vagamente et en passant um ou outro de nós, ele nem isso. A vida tem destas coisas, consegue ser sempre mais fantástica que a ficção. Nesta caso, volvidos mais de trinta anos, após a casa ter sido deixada pela minha família e depois de ter sido habitada por outros, quiseram as leis do acaso, que aquele casal a olhasse com olhos de ver. Deverá ter sido uma opção de ambos. Mas quem a leu e descobriu a chave, o segredo mágico e oculto, creio ter sido o homem das barragens. Reconstrui-a à sua maneira,recriou-a como a sentiu, mais tempo na obra menos no estirador, pedra a pedra. Fez nascer um lugar único. Verdadeiro santuário, onde a harmonia e contraste, muitas vezes mostram a síntese entre diversas culturas, tempos e maneiras de ser. Basta ver o acervo museológico de peças regionais.Algumas encontradas no entulho da casa, outras aqui e ali recolhidas e reabilitadas por artistas artesãos a quem pagou do seu bolso. Este casal devia ser tratado como mecenas que são. Além da recuperação desta casa, outros meritórios trabalhos têm feito na cidade. Mas a minha terra continua na mesma, continua a ignorar os seus melhores filhos, naturais ou adoptivos, que de maneira generosa a melhoram, embelezam, e a tornam com uma personalidade irrepetível.
Em tese, é um verdadeiro milagre, este senhor ter percebido o sentido oculto e universal da casa. Longo deve ter sido o diálogo entre ambos, a casa e ele. Porque dessa conversa nasceu, um museu, uma casa de habitação, uma espécie de templo. Sem dúvida uma mais valia para a cidade e para todos. Há que ir lá e ver. A sala de jantar dos meus avós, onde os nossos Natais eram intensamente comungados, é hoje um local de várias expressões de paz. Não pode ser só coincidência…
Sei que a Câmara não nada em dinheiro, mas a verdadeira economia reside em saber gastá-lo, sobretudo naquilo que fica, e não arde na feira constante das mudanças. Eis um local que tem a ver com a memória, com a história, com a beleza e com a idiossincrasia não só duma família, mas também duma cidade. Não puxo por galões que não tenho, pelo contrário, atribuo todo o mérito àqueles que a expensas próprias criaram um sítio ímpar, respeitando os pergaminhos da Casa, que para mim, e para muitos, bastantes casas depois, é ainda a casa das casas.

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