terça-feira, 4 de novembro de 2008

R da Trindade 8 - Parte II


Aqui viveram santos.
Era a casa onde viveram e morreram os meus avós e onde imensa prole foi educada com a colaboração sempre atenta duma irmã de minha avó. O meu pai, irmãs, irmãos, e alguns primos, ali aprenderam com quantos paus se fazia uma canoa. Estes primos, eram para mim tios, já que os meus avós os educaram como se filhos fossem.
Depois vieram os netos, às camadas.
Nesta casa havia uma diferença que era a pedra de toque: o respeito incondicional pelo próximo, pelo nosso semelhante, o outro como razão de ser, valores que ainda hoje são verdadeiramente revolucionários. Os Dez Mandamentos, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a encíclica Pacem in Terris foram textos comentados e na medida do possível vividos. Sem exclusões, nem por motivos de cor, que o diga o Alberto Preto,ou por deficiência, que fale o Abel Doido, ou por motivos politico/religiosos que o digamos todos. Falei daqueles porque já mortos e sem descendência. Eis pois um verdadeiro Templo. Com uma fundamental diferença, a obediência ao chefe legítimo, não a outro mais forte, e respeito absoluto pelos direitos do outro: este será sempre mais importante que tu, o mais velho porque é mais velho e o mais novo porque é mais novo. Este era um dos princípios que entrava em conflito com o instinto de afirmação pessoal. A síntese deste conflito, de alguma forma, moldou o carácter de muitos de nós. Mas fez mais, fez com que os cavalheiros duma prestimosa instituição a guardassem, e arrecadassem um ou outro, mesmo que às vezes fosse por engano. Insisto pois, que para além das piedosas práticas de todos os que a habitaram, aquela casa foi uma Igreja, verdadeiro templo universal para a paz entre os homens de boa vontade.
Possivelmente irei exagerar, mas permito-me dizer que ali se viveram os Natais mais felizes, que podia haver. Durante o resto do ano tinha-se carinho, tinha-se amor e tinha-se toda a atenção. E esta não era necessariamente doce, porque se manifestava logo de manhã ao acordar, antes de qualquer higiene: diz qual a relação de parentesco entre D. João II e D. Manuel I, o que é um substantivo epiceno, quais os afluentes do Rio Tejo na margem esquerda, qual o volume dum cilindro com um cm de raio e dois de altura, e outras tantas questões perfeitamente despiciendas

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