quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Duas da manhã



Duas da manhã, a suave respiração da minha mulher, a paz e quietude do momento, uma casa grande e um cão. Lá fora um frio fininho num silêncio sagrado. É uma boa altura para ir forçar uma visita aos restantes habitantes que sem nos atrapalharem, sem comerem e sem beberem coabitam no mesmo espaço. Fazem-no com toda a discrição, se não fosse o Gatsby dar sinais da sua presença e a minha imaginação querer vê-los, jamais suspeitaria da sua existência. Verdade verdadinha que são acima de tudo transparentes, discretos, e bons conversadores. Exasperam-se se questionados sobre o futuro e animam-se em frequentes dissertações sobre o passado. Às vezes, poucas vezes, fico a ouvir um ou outro.
Com o auxilio duma vela e de pouco mais, consegui que alguém aparecesse a meu pedido. Esta noite veio só um, bastante falador e brincalhão, mas sempre com esgares de dor. Nada por aqui sucedeu que não me digam, desde o princípio da velha Ward do reino Suevo Alano da Vetónia até ao dia anterior ao meu nascimento. Critério bem estranho, mas enfim, é a norma deles, dos mortos, termo que detestam.
Por aqui, onde agora habita esta fauna e a minha pequena tribo, foi lugar de muita coisa, nomeadamente do mercado dos porcos. É verdade, esta parte da cidade conhecida por Bonfim foi mercado de suínos no tempo dos Romanos. A cidade, em tempos do El Andaluz, ía até mais abaixo, ía até ao lugar dos cavalos, Alfarazes. Depois da reconquista minguou, amuralharam-na e ficou restrita ao cocuruto do monte. Aquele com quem hoje estive, gosta de meter petas como a de me querer convencer que Cristóvão Colombo dormiu no Mileu com a abadessa do convento de Santa Clara. Contra-argumentei, tudo tinha a ver com o facto de na altura, o que se relacionasse com a arte de marear e as descobertas ser segredo de Estado. Cristóvão Colombo não era nome de baptismo, foi o nome adoptado por um marinheiro português, que só por milagre andaria por esta monstra serrania. Casou em Porto Santo com a filha de Bartolomeu Perestrelo cujo assento é conhecido. Quanto à sua nacionalidade seria tão genovês quanto eu, pois os reconhecidos como legatários foram todos portugueses, e a última decisão dum tribunal em 1609, cento e três anos após a sua morte em Valladolid, foi nomear D. Nuno de Portugal seu herdeiro, este por sua vez também descendente de D. Nuno Álvares Pereira.
Este prega petas faz fintas, mas às vezes acerta, como hoje, que contou detalhes, alguns que eu desconhecia, do namoro, de proibido pelo pai, a estimulado pela mãe, entre D. João, então Mestre de Aviz, e Inês Pereira, onde hoje é o Marfim Bar, mesmo junto ao Paço do Biu e não à beira da fonte como se diz. Esta beleza era filha dum sapateiro judeu Pêro Esteves, que passou à história como Barbadão pois nunca mais fez a barba após o nascimento do neto e que D. João protegeu tanto que é a raiz da Casa de Bragança. Foi D. Afonso, produto deste amor sem casamento, que veio a contrair matrimónio com D. Beatriz filha de D. Nuno Alvares Pereira. Agraciado com o título de conde de Barcelos e mais tarde 1º. Duque de Bragança, foi D. Afonso quem mandou construir o Palácio dos Braganças frente ao castelo de Guimarães.
Mas a história do namoro proibido tem momentos hilariantes, como o da ocasião em que D. João tinha encontro aprazado com a sua menina no coro da igreja de S. Vicente. Quando subiu as escadas julgou ver a sua Inês, nome também da amada de seu augusto pai mas não da sua mãe Teresa, ajoelhada, quietinha à sua espera, até lhe parecendo que se punha a jeito. De facto era um frade já bem compostinho por vinhos de vinhas com muitas castas e de regresso de casa pouco castas, que descansava. D. João furtivamente aproximou-se e querendo fazer uma festa à sua querida trouxe o frade à consciência, que ao sentir o afago, mais acordou, e já que o carinho era demasiado intimo, deu um salto meio esquisito berrando a plenos pulmões contra semelhante desonra, que a mão era de homem. D. João vendo aquele espantalho de pernas e braços abertos gritando e sentindo o bafo quente assustou-se, deu uns passos atrás e truz, foi de calhostras escadas abaixo.

1 comentário:

Lynx disse...

e vivam os paparazzi's da idade média....